A vida é uma cereja. A morte um caroço. O amor uma cerejeira.


15 de julho de 2006

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

Eugénio de Andrade


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9 comentários:

Tesuras disse...

Oi Amiga,

Tudo bem? Espero que sim. Faz um tempinho que não nos cruzamos pela WWW.

Jinhos grandes e repenicados.

Tesuras

Anónimo disse...

Lindo mas triste.Não gosto de dizer adeus.

Serenity disse...

Adeus até breve, ou um adeus definitivo?
Espero que seja só um poema de que gostes. Não vais deixar este teu cantinho, pois não?!?!?!?
Beijos.

Cerejinha disse...

Lol! "Adeus" é o nome do poema!
Eu continuo por aqui!

Tesuras disse...

Ufa!!!

Já estava a pensar que ias dar de frosques e não ias escrever mais no teu Blog

Abreijos

Tesuras

BiChOs Do MaTo disse...

Ás vezes é o que pode acontecer num grande amor, ou num amor de anos.
Triste mas muito verdadeiro.
Lara

Manela disse...

curiosa coincidência... vim dar uma passeata até aqui e deparei com um poema do Eugénio de Andrade que tenho no blog, em draft, hesitanto em publicá-lo pela tristeza que encerra. Um abraço e boas férias...

Cerejinha disse...

Como os nossos momentos não são todos de opimismo e alegria, como sabemos, por experiência própria, que todos temos os nossos dias lunares, como exteriorizar estes momentos não faz de nós pessoas amargas ou chatas (se não abusarmos)decidi-me a postar este poema - que acho belissimo - e que, como a Nela e pelos vistos pelos mesmos motivos, hesitei em postar.
Obrigada Nela pelo seu comentário. É bom saber que não estamos sozinhos em certos pensamentos e hesitações... ;)

Anónimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado